segunda-feira, 23 de maio de 2016

Formação das Monarquias Nacionais - Imaginário e Poder - Os Reis Taumaturgos 7° Ano

“Os Reis Taumaturgos. O caráter sobrenatural do poder régio, França e Inglaterra" Marc Bloch
RESENHA:
Livro “Os Reis Taumaturgos. O caráter sobrenatural do poder régio, França e Inglaterra”, de Marc Bloch
Como forma de introdução de resenha do livro “Os Reis Taumaturgos” de Marc Bloch, penso ser necessário, primeiramente, destacar o eixo central de discussão deste texto uma vez que não é possível tratar todos seus pormenores: ou seja, destacar o uso da construção histórica, da crença popular e da sociedade como um todo e principalmente, o uso do poder miraculoso dos reis em favor da forja de um poder político.


 Em todas as descrições que Marc Bloch fizer concernentes à atribuição e crença do caráter santificado do rei, paralelamente estará pensando nas questões políticas que o soberano exercia. As questões santas, miraculosas, religiosas, sobrenaturais sempre, de alguma forma, estarão se relacionando com as questões do poder político do rei e sua respectiva reafirmação. Por mais que, verdadeiramente, tanto os súditos quantos os reis realmente acreditassem na sacralização real, no intermédio do rei para as ações de Deus, ou seja, o rei como agente do Senhor, isto não anula nem tão pouco impede que o monarca use esta construção em favor do seu fortalecimento político.  
No período tratado, a baixa Idade Média, o senso comum vai atribuir ao monarca a posse de um poder miraculoso, a manifestação de um poder divino que somente se manifesta nos reis. O caráter miraculoso do rei é, necessariamente, uma construção do senso comum. Porém, não significa dizer que fora o povo que construiu esta idéia de aura sobrenatural dos reis. Impossível determinar sua origem. O que se sabe é que esta santidade, mais ou menos, é resultado de uma complementariedade: haverá aqueles que pensarão ser oriunda da estirpe real, portanto uma questão de hereditariedade, e outros pensarão ser oriunda da unção. Podemos dizer que em princípio, o poder miraculoso dos reis decorria da predestinação familiar. Posteriormente, a partir dos tempos carolíngios, esta santidade passou a ser creditada à unção. A partir de então, mesmo ainda com muita discussão em torno deste assunto, entende-se, de certa forma, como uma espécie de complementariedade entre estas duas formas. Para o Homem medieval, o mundo temporal e o espiritual eram vizinhos; mundos que se correlacionam constantemente. Portanto, torna-se fácil entender esta idéia de complementariedade. Daí, desta realeza sagrada e miraculosa que terá origem o poder de cura, dentre os quais o toque das escrófulas (p. 131).
Por outro lado, no decorrer do tempo, a unção vai tomando corpo e assumindo lugar de destaque no imaginário popular. Assim como citado no livro em questão, Pierre de Blois diz que o rei possui o poder de cura porque é o ungido do senhor (p. 70). A unção-sagração eleva o rei a um novo estado; a uma nova condição (p. 154). A unção transfere um objeto ou pessoa da categoria do profano para a categoria do sagrado. Sendo assim, o senso comum tomará o entendimento de que a santidade real só a é a partir da unção (p. 81). Não há verdadeiro rei sem a consagração. Toda esta santidade tem intima ligação com o divino. Entende-se que o rei é apenas um instrumento de Deus. Quem faz o milagre é Deus, o rei é apenas um intermediário (p.53). Buscando encerrar este assunto determinado, assim, em um dado momento, o senso comum passa a entender que as características miraculosas do rei tratava-se de uma complementariedade entre a unção sagrada e as prerrogativas de estirpe, ou seja, a hereditariedade (p. 169). contudo, cabe um contra ponto citando Yves-Marie Bercé, em “O Rei Oculto”: “Sabe-se que os ris da França começavam no dia seguinte à sagração, a tocar os escrofulosos e frequentemente a curá-los. Esse poder não lhes era dado pela sagração, mas revelado por ela: nesse sentido, um impostor que tivesse usurpado a coroa e tivesse conseguido fazer-se sagrar não teria adquirido por isso tal capacidade. O dom de cura tornava-se portanto um modo de provar a validade dos príncipes das flores-de-lis”.                                 
Desta concepção de íntima ligação do rei com o divino surgirá à baila, no entendimento comum dos súditos, a problemática da aproximação dos reis ao sacerdócio, vindo a entrar em conflito com a Igreja, pois esta defende que o sacerdócio comporta privilégios que apenas a ordenação pode dar (p. 148). Mas este é um ponto que não será possível ser tratado aqui.  
A partir daqui, já podemos começar a tratar das questões políticas propriamente ditas. Será desta crença e fé na origem sobrenatural dos reis que decorrerá um sentimento lealista. Sabendo disto, os reis usaram seus recursos para a manipulação popular. A lealdade será fator de desencadeamento de disputas entre os monarcas, e aqui refere-se estritamente aos reis franceses e ingleses (disputa entre capetíngios e plantagenetas). O rei com maior credibilidade de cura acaba por atrair a lealdade e fidelidade de um número maior de súditos. Neste exemplo encaixa-se o rito da cura das escrófulas: aquele rei que possui maior credibilidade neste processo de cura, acaba por desenvolver seu poder político e reafirma sua legitimidade enquanto rei – especializa-se na cura das escrófulas pois a ineficiência com outras doenças poderia fragilizar o poder real. O rei detentor de verdadeiros poderes miraculosos reafirma o seu direito de estar na posição em que está. Este é um legítimo rei. Além do que, a questão da taumaturgia real continha em si também a idéia de diferenciação de tal rei. O rei que a praticasse distinguia-se dos reis comuns ou mesmo de barões, este vindo a ser um fator de prestígio particular dos reis franceses e ingleses.
O rei possui sobre seus súditos tal poder (poder este, por um lado, a partir da crença em sua santidade e, por outro, para que se construa esta santidade) que é capaz de enxertar em suas mentes, e mais, em seus imaginários, seus projetos, seja lá quais caráter eles possuam. Ou seja, para que exista o poder miraculoso dos reis é necessário que os súditos acreditem nisso, a santidade real é uma construção contida na mentalidade de seus súditos, sendo assim, o rei faz com que estes súditos acreditem nesta tal santidade, destarte, reafirmando e legitimando sua posição. “Para que uma instituição destinada a atender a fins precisos indicados por uma vontade individual possa impor-se a todo um povo, é necessário ainda que ela seja sustentada pelas tendências profundas da consciência coletiva;” (p. 87). O processo de cura, ou melhor, a taumaturgia, é um movimento recíproco, duplo e complementar: ao mesmo tempo que ele proporciona prestígio, o prestígio legitima a ação miraculosa. Depois que o rei consegue construir o prestígio oriundo deste processo de cura, a partir de então, este prestígio passa a oferecer o milagre. Um rei sem prestígio não é procurado por enfermos para serem curados. Um rei sem prestígio não faz milagres. Um rei sem prestígio treme no trono.

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